segunda-feira, 30 de agosto de 2010

pisque os olhos

Acho impressionante como vivo mudando o tempo inteiro. Mudo das mais diversas formas, sutilmente ou nem tanto. Mudo até sem perceber, aí me perco de quem era há um segundo. Dizem que se não houver mudança, a passagem do tempo não tem sentido. Concordo plenamente.
Mas não vim aqui falar das várias maneiras pelas quais se alcança o desconhecido. Experiências fantásticas, boas ou ruins, lugares novos, pessoas diferentes. Fatos escandalosos, que o mundo à sua volta percebe a diferença. Eu me refiro às bobagens que ocorrem como um estalo. Algo de você pra você mesmo, uma percepção.
Minha mãe falou que estava passando um filme na televisão chamado “Os amores de Picasso”. Eu respondi um monossílabo e fiquei mergulhada em outros pensamentos quando fui invadida pela seguinte constatação: NUNCA pensei em Picasso como um homem. A imagem dele como célebre pintor – já tão conhecida por todos – se sobrepunha a tudo de tal forma na minha mente, que nem me dei ao trabalho de imaginar como ele era. Se seus olhos eram densos ou frios, se era alto ou magro, se tinha filhos ou amantes tórridas. O via simplesmente como aquelas telas dos livros e revistas.
Que direito eu tenho de ignorar a imagem verdadeira de um homem só por causa da que lhe foi atrelada? Será possível que certas carapaças são tão espessas que só conseguimos enxergar a superfície? Isso é um crime, dos cruéis. Nossos políticos são homens com família e encanamento vazando em casa. Os professores têm filho doente, sabia? A vendedora que você destratou terminou com namorado na noite passada. O jardineiro tem um irmão viciado em cocaína. Mas você tem a audácia de só enxergar eles por fora. Você só vê o que eles fazem. O que eles parecem. Quem quer ver o avesso do outro?
Se digo que mudei, é porque meu olhar mudou. Vou ousar enxergar o outro ainda mais. Tentar ser menos egoísta. Coisa minha mesmo, não vou esperar a mesma postura de ninguém. Cada um acorda na hora que quer.

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