As partículas de ar agora se movem de outro jeito, então os pés acompanham a tendência. As pernas também acompanham, têm vida própria. Primeiro inseguras, se esbarram. Depois, muito mais certas do que fazem, marcam o compasso e se cruzam, se cruzam. O pé esquerdo segue o outro, que é o pé direito do outro. Às vezes eles se afastam, mas se procuram com muita urgência. Não se confundem.
Sim, a música está ainda mais frenética e excita os tímpanos. O sangue flui no mesmo ritmo, levando as pernas. Pernas incansáveis, pernas desvairadas. Elas giram e são amparadas, se jogam no ar e se recolhem, tocam o chão com muita força. Elas pesam, mas não conseguem parar. Não podem parar. Não se afastam.
Então, subitamente, o ar congela. Quem roubou o som? Quem sugou toda a luz? Por que as pernas pararam? Quem as empurrou para um tubo de ensaio tão apertado? Não, nunca!
Não importa, não vão parar. Elas dobram e esticam, dobram e esticam, chutam, se expandem. E correm muito, pra muito longe, porque não podem parar. Primeiro o calcanhar depois a ponta dos dedos na grama molhada e a liberdade... As aparências são desnecessárias, assim como a coerência da coreografia, e também as roupas.