Mostrando postagens com marcador desejo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador desejo. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

pernas

Os pés têm um contato bem sutil, quase imperceptível, assim como os joelhos. Pra lá, pra cá. Pra lá, pra cá. Eles também tocam levemente o chão, flutuam como se não tivessem a massa do corpo inteiro pra segurar. Às vezes eles se afastam, mas logo suas pontas se procuram, suaves.

As partículas de ar agora se movem de outro jeito, então os pés acompanham a tendência. As pernas também acompanham, têm vida própria. Primeiro inseguras, se esbarram. Depois, muito mais certas do que fazem, marcam o compasso e se cruzam, se cruzam. O pé esquerdo segue o outro, que é o pé direito do outro. Às vezes eles se afastam, mas se procuram com muita urgência. Não se confundem.

Sim, a música está ainda mais frenética e excita os tímpanos. O sangue flui no mesmo ritmo, levando as pernas. Pernas incansáveis, pernas desvairadas. Elas giram e são amparadas, se jogam no ar e se recolhem, tocam o chão com muita força. Elas pesam, mas não conseguem parar. Não podem parar. Não se afastam.

Então, subitamente, o ar congela. Quem roubou o som? Quem sugou toda a luz? Por que as pernas pararam? Quem as empurrou para um tubo de ensaio tão apertado? Não, nunca!

Não importa, não vão parar. Elas dobram e esticam, dobram e esticam, chutam, se expandem. E correm muito, pra muito longe, porque não podem parar. Primeiro o calcanhar depois a ponta dos dedos na grama molhada e a liberdade... As aparências são desnecessárias, assim como a coerência da coreografia, e também as roupas.

O vento, a umidade, o escuro, a tontura, o formigamento, o desejo. Agora as pernas se confundem. Não pesam mais.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Corra aqui, corra!! Venha ver o que eu estou vendo!!
Viu? Bem no fundo?
É uma moeda da sorte na nossa caixa d'agua.

Vê aquela garotinha de vestido cor-de-rosa e boneca à tiracolo?
Foi ela quem jogou.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Chico, nicotina e desejo

Eu estava falando muita besteira, voltei a falar um pouquinho do que importa...(pelo menos para mim)


Essa não é mais uma história sobre tristeza e melancolia afogadas em 40% de álcool em um litro de água destilada. Pode até parecer mais não é. Ainda tinha uma estaca cravada em meu peito sim, mas essa noite ela tinha dado uma folga. Eu tinha saído com uns amigos para um bom bar. Quer dizer, um bar, porque de bom só tinha a cerveja, os cigarros e a companhia. Era uma mesa perto do rio e nós jogávamos copo e bitucas para alimentar os peixes. Não me orgulho de estar poluindo o rio, mas você sabe... (tentei achar uma explicação plausível mas não achei). Voltei para casa ouvindo somente as risadas dos passantes, os gritos que algumas meretrizes davam para chamar minha atenção e um leve diabo na minha orelha mandando eu parar, mas eu não parei. Quando cheguei em casa coloquei o LP “caros amigos” de Chico Buarque peguei o cinzeiro, deitei na minha cama e coloquei-o na barriga. Repentinamente, me deu uma vontade de chorar pela morte de Tom, Vinícius, Cazuza e Elis e eu chorei. Chico até que me consolou bem, mas nem tanto.

No começo da história eu falei que essa não era mais uma história sobre tristeza e é agora que começa a fazer sentido. Depois de velar a morte dos meus ídolos eu simplesmente chorei de novo, a minha morte. Foi mais uma daquelas experiências pré-morte que eu já tive tantas outras vezes. O violão de Chico junto com a fumaça, que já tomava conta do quarto, me fizeram lembrar dos bons momentos que eu tive num lugar tão frio quanto aquele. Quando essas lembranças me tomaram o pensamento, eu senti como num sopro de gozo um vulto quente tomando conta do meu corpo, continuando de onde as lembranças pararam. Joguei o cinzeiro no chão e me agarrei àquele sonho com quem agarra alguém a beira do abismo. O quarto já parecia um forno, enquanto eu me enganava naquela ultima dose de ópio. O possuí como se ainda fosse meu, cuidei como se fosse meu, amei como se fosse meu, rasguei como se fosse meu, mas ela foi embora dizendo: Agora eu sou de outro, cravo.