segunda-feira, 18 de outubro de 2010

pernas

Os pés têm um contato bem sutil, quase imperceptível, assim como os joelhos. Pra lá, pra cá. Pra lá, pra cá. Eles também tocam levemente o chão, flutuam como se não tivessem a massa do corpo inteiro pra segurar. Às vezes eles se afastam, mas logo suas pontas se procuram, suaves.

As partículas de ar agora se movem de outro jeito, então os pés acompanham a tendência. As pernas também acompanham, têm vida própria. Primeiro inseguras, se esbarram. Depois, muito mais certas do que fazem, marcam o compasso e se cruzam, se cruzam. O pé esquerdo segue o outro, que é o pé direito do outro. Às vezes eles se afastam, mas se procuram com muita urgência. Não se confundem.

Sim, a música está ainda mais frenética e excita os tímpanos. O sangue flui no mesmo ritmo, levando as pernas. Pernas incansáveis, pernas desvairadas. Elas giram e são amparadas, se jogam no ar e se recolhem, tocam o chão com muita força. Elas pesam, mas não conseguem parar. Não podem parar. Não se afastam.

Então, subitamente, o ar congela. Quem roubou o som? Quem sugou toda a luz? Por que as pernas pararam? Quem as empurrou para um tubo de ensaio tão apertado? Não, nunca!

Não importa, não vão parar. Elas dobram e esticam, dobram e esticam, chutam, se expandem. E correm muito, pra muito longe, porque não podem parar. Primeiro o calcanhar depois a ponta dos dedos na grama molhada e a liberdade... As aparências são desnecessárias, assim como a coerência da coreografia, e também as roupas.

O vento, a umidade, o escuro, a tontura, o formigamento, o desejo. Agora as pernas se confundem. Não pesam mais.

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